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Esperança


O quarto do hospital era frio e ela sentia a frieza do cômodo dentro de si. Ao abrir os olhos numa manhã de domingo ensolarada, pensou que estivesse sonhando ou pesadelando, a bem da verdade é que não sabia definir a sensação que sentia, apenas teve ciência de que estava num quarto de hospital quando olhou para as paredes brancas, para os aparelhos à sua volta e em seu corpo. Deveria estar naquela situação há algum tempo, pensou.

Havia uma mala e livros perto de sua cama. No entanto, não conseguia lembrar, naquele momento, de quem eram aquelas coisas. Ao seu lado uma campainha e seu instinto foi rápido, mas mais rápido que ele foi a percepção sensorial de que não podia se mover. Tentou com todos os membros e se deu conta de que não conseguia e então, passou a observar atenta a tudo que estava a sua volta e lágrimas involuntárias caíram de seu rosto, estava viva! Não sabia se agradecia ou se maldizia aquela oportunidade, queria gritar, mas não tinha forças, as lágrimas eram mais fortes que os gritos presos.

Estava num quarto de hospital à espera de alguém que, deve por algum momento, após horas de vigilância ter ido tomar um café, mas que maldita hora para tomar café! Justamente no momento em que ela acordara e se deparara consigo desnuda de vida, mesmo que viva!

Quando as lágrimas cessaram, depois de algum tempo, pensou que talvez a mala tivesse sido esquecida por alguém distraído, ou perdida por um acompanhante de outro quarto, porque já tinha dado tempo suficiente para um café. Foi quando percebeu a maçaneta mexendo e num acesso de alegria parecido ao da personagem de Felicidade Clandestina decidiu fechar os olhos, assim: como em filmes! E abriria apenas quando a pessoa, que saiu sem esperanças para um café, sentasse e retomasse as orações pela sua melhora. Até que ela abriria os olhos e diria: Sim, eu estou viva!

E nessa felicidade clandestina, fechou os olhos e entraram passos apressados que dialogavam tão rápido quanto os passos.

- Quanto tempo ainda vão manter essa coitada aqui?

- Será que não veem que é um caso perdido?

- Nossa, de quem será esta mala?

- Não sei, não, desde que está aqui ninguém a visitou.

- Eu, hein. Disse sorrindo. Eu que não vou mexer nisso, vamos, Dora, troque isso logo que este quarto me dá calafrios. Dez anos em coma não são dez dias, né?

- Pronto, prontinho, trocada!

As duas moças trocaram as medicações e saíram. Dali a poucas horas foi dada a morte de Ana.




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