O passeio
Não há como negar que me sentia superior a todas aquelas pessoas, pregava a igualdade e a solidariedade, mas me sentia superior a todas elas.
Quando cheguei, já percebi os rostos sofridos, as roupas simples, as maneiras que denunciavam a classe social a que pertenciam: eram pobres e bem pobres. E eu já não era tão pobre como eles. Gostava de falar com pessoas como eles, tirar fotos juntos, mas nunca ser confundido com algum deles.
Já no passeio, pude perceber que eles comiam como animais, tinham fome, muita fome, e se sentiam felizes com aquela comida toda que lhes eram servidas em troca de votos. E eu estava ali, imobilizado, tentando demonstrar que não era como eles, que gritavam em momentos inoportunos, cantavam o hino brasileiro errado e ainda batiam palmas ao final dele.
E, ao final, quando tudo parecia ter acabado e voltávamos para casa, uma das senhoras que, durante o passeio, corria para comer tudo com muita voracidade e tinha guardado vários lanches em uma sacola grande recebida na entrada do evento, falou para a colega do lado;
- Olhe, eu nunca tinha saído assim, não! Disse carregando o sotaque.
- É mesmo, é? Nunca saiu, não?
- Aqui em São Paulo, não! O lugar mais longe que fui foi pra.. como é que fala é...acho que Atibaia. Mais longe que isso fui, não. Eu gostei foi muito daqui!
- Mas Atibaia é muito mais longe que aqui, mulher! Disse a outra estupefata e também pegando os lanches que havia trazido do passeio.
E eu ouvi aquilo atentamente e pensei, agora, sem falsas generosidades, como seriam os dias daquela mulher, sua rotina, a sua vida, como seria? Como nunca tinha visto algo que, para mim, era tão comum? E já não significava felicidade. Mas que, no entanto, para aquela mulher, aquilo, ou melhor, o passeio foi felicidade:
- Pois é, pode ser, mas eu gostei muito! Quero vir todo ano agora! Disse sorrindo e mostrando a falha de um dos dentes laterais.
Eu sorri internamente e lembrei da frase de uma amiga: “Na vida, Gomes, tudo é perspectiva!”